Preço do Bitcoin levanta algumas dúvidas: O que diria Aquino?

Autor: Alejandro Chafuen
Tradução: Filipe Dalboni
Originalmente publicado em Forbes

Com o Bitcoin alcançando o seu décimo aniversário e seu preço alcançando uma máxima por quatro meses, agora é um bom momento para discutir algumas questões morais que o rodeiam. Usarei a abordagem de Tomás de Aquino como guia. Aquino analisou os tópicos econômicos na questão 77 da sua Summa Theologiae (Summa), onde ele considera “aqueles pecados relacionados às trocas voluntárias.” Trocar dinheiro, bens e serviços por Bitcoin caem nessa categoria. Há algo pecaminoso nisso?

O Bitcoin é uma moeda virtual? O Banco Central Europeu definiu moeda virtual como “uma representação digital do valor, não relacionado à um banco central, instituição de crédito ou instituição de moedas eletrônicas, que em algumas circunstâncias pode ser usada como uma alternativa ao dinheiro.” Nos Estados Unidos da América, o Departamento do Tesouro dos EUA definiu moeda virtual como “um meio de troca que opera como uma moeda em alguns ambientes, mas não possui todos os atributos de uma moeda real. Em particular, a moeda virtual não possui validade legal em nenhuma jurisdição.” Ademais, moeda virtual “conversível” é um “tipo de moeda virtual [que] ou possui um valor em moeda real equivalente ou age como substituto de uma moeda real.”

Os que advogam pelo Bitcoin veem as definições acima como técnicas e obscuras. Eles notam que o Bitcoin é uma rede peer-to-peer totalmente descentralizada que possui a vantagem de não requerer um intermediário ou um banco central para ser emitida ou negociada. Criptomoedas são criadas por um grande número de computadores distribuídos ao redor do mundo, que registram e aprovam as operações performadas.

Giacomo Zucco do Blockchainlab argumenta que o termo virtual, quando se referindo às criptomoedas, pode ser enganador quando aplicado ao Bitcoin. Ele nota, “Já que o significado de ‘virtual’ na ciência da computação é verdadeiro para o bitcoin, assim como é para a maior parte da base monetária do Dólar e do Euro, alguém poderia argumentar que a política arbitrária de oferta de moeda dos banco centrais é ainda mais ‘virtual’. O Bitcoin se comporta mais como uma versão digital de uma commodity física.”

Aquino começa por se perguntar “se é justo vender algo por mais do que esse algo vale”. O que determina o preço de algo, o seu “valor”, então, começa como um tópico de estudo essencial para moralistas que querem determinar a qual preço alguém pode vender um bem ou, no caso da moeda, Bitcoin.

O próximo assunto que Tomás teve que considerar foi se as trocas são tidas como injustas por defeitos nas coisas vendidas. Isso foi seguido pela questão de se os vendedores são obrigados a revelar problemas, ou riscos, nas trocas. Todas essas questões podem ser aplicadas ao Bitcoin.

A fim de determinar se é justo vender algo por mais do que vale, ele usou seu método típico, começando com as razões pelas quais parecem justificar a venda a qualquer preço – por exemplo, “nas trocas humanas, as leis civis determinam o que é justo,” e essas leis permitiam “o comprador e o vendedor a enganar um ao outro”.

Estendendo o argumento ao Bitcoin especificamente, a posição “libertária” suporia que as trocas em Bitcoin são justas em qualquer circunstâncias. Aquino ofereceu uma observação para o seu tempo – ele viu que diferentes pessoas queriam pagar preços diferentes por uma canção de gesta popular. Mas o mesmo poderia acontecer com outros preços – incluindo, nos nossos dias, o preço do Bitcoin. Contanto que uma transação de Bitcoin seja feita de acordo com o preço corrente no tempo da troca, e que não haja fraude ou pressão envolvida, a troca é justa.

Aquino se preocuparia, também, com qualquer fraude no mercado de Bitcoin ou por negociadores de Bitcoin. Imagine, por exemplo, que a Coinbase ou qualquer outro vendedor criasse um website baseado em um mundo imaginário no qual as contas fossem impossibilitadas de usar seus Bitcoin, ou que alguém criasse um esquema Ponzi baseado no Bitcoin. Nesses casos, o esquema e a fraude seriam condenados, mas não necessariamente o Bitcoin.

Poderia a maneira como os Bitcoins são produzidos ter um papel importante no julgamento de Aquino? Eu penso que não. Aquino duvidava que alguém fizesse ouro por alquimia, mas ele disse que, se alguém descobrisse como fazê-lo, ele poderia, então, vender o ouro do alquimista pelo mesmo preço que o ouro minerado.

Para produzir Bitcoin, produtores (“mineradores”) precisam de um considerável poder computacional, que em troca implica em uma grande confiança em energia barata. No mundo de hoje, onde a intervenção do governo possui uma intervenção exagerada no mercado de energia, o preço da eletricidade é geralmente mais barato em países com preços subsidiados (como a Venezuela) ou preços arbitrário (como na China). Em muitos casos, o impacto ambiental causado pela uso excessivo de energia pode criar um fardo difícil de ser desfeito para vítimas inocentes. Eu não fui capaz de encontrar em Aquino ou seus seguidores qualquer crítica ao ouro como moeda dado o impacto da mineração de ouro no meio ambiente ou devido às condições severas dos mineiros. Qualquer impacto negativo da mineração do Bitcoin no meio ambiente seria por culpa dos subsídios ou por falta de direitos de propriedade, ao invés de ser do Bitcoin per se. Qualquer dano direto a terceiros causado pelos mineradores de Bitcoin seria preocupante, para Aquino, e requereria restituição.

Aquino teria reconhecido o direito do governo em restringir o uso do Bitcoin. Tais restrições poderiam ser menores (como a não aceitação de pagamentos em Bitcoin pelo governo) ou maiores (como proibindo o uso de Bitcoin e outras criptomoedas). O governantes dos dois países mais populosos do mundo, de fato, impuseram restrições às criptomoedas: o Reserve Bank of India as baniu, e a China impôs importantes barreiras ao comércio de criptomoedas. Aquino teria, também, aceitado o direito de bancos, privados ou públicos, decidirem não aceitar depósitos de bitcoins ou depósitos de grandes negociantes de Bitcoin.

E sobre o fato de haver dúvidas a respeito da natureza e do valor objetivo dos bitcoins? Aquino, como seus seguidores, concordam com Santo Agostinho que os preços dos bens dependem “de sua utilidade ao homem. Consequentemente, não é necessário ao vendedor ou comprador que se esteja ciente das qualidades escondidas da coisa vendida, mas apenas a quanto a coisa pode ser usada pelo homem.” Pessoas que possuem muito pouco conhecimento da mineração dos bitcoins e aqueles que concordam que não há valor objetivo além do que se pode conseguir no mercado podem, mesmo assim, achar o Bitcoin útil. E coisas escassas e úteis devidamente possuem um preço.

Para Aquino e seus seguidores, bens que não são considerados essenciais ou vendidos em leilões públicos deveriam seguir a regra res tantum valet quantum vendi potest – o valor de um bem é aquele pelo qual consegue ser vendido. Todas as transações são julgadas pelo princípio volenti non fit injuria – os que fazem algo voluntariamente, devem assumir os riscos – mas, novamente, com a condição que não haja fraude, coerção ou monopólio. O Bitcoin não deve ser exceção a esses princípios. O preço justo do Bitcoin, portanto, seria aquele o qual é estabelecido no momento da compra. Dada a tecnologia atual, o preço pode ser verificado instantaneamente de qualquer canto do mundo que haja internet.

O Bitcoin pode ter um papel importante para as pessoas no auxílio ao exercício de suas liberdades. Lembro de uma conversa que tive durante uma reunião com um jovem empresário que tinha deixado a ditadura venezuelana e se mudado para a República Dominicana. Eu perguntei a ele, “Como você tirou o teu dinheiro do país?” “Bitcoin”, ele respondeu. Essa criptomoeda tornou mais fácil às vítimas de tiranias e da manipulação governamental de moedas a proteger seus ativos e patrimônios.

E sobre o perigo do Bitcoin ser usado para lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo ou para pagamentos de sequestros, chantagem e outros crimes? As criptomoedas não são os únicos instrumentos usado para tais fins. Todas essas atividades ilegais existiam antes do Bitcoin e ainda existem hoje com as moedas regulares. Por exemplo, o banco dinamarquês Danske e seus bancos menores subsidiários da Estônia foram pegos lavando mais de $200 bilhões para interesses espúrios da Rússia. Até agora, nada dessa magnitude ocorreu com o Bitcoin.

As maiorias dos centros de trocas e minerações de Bitcoin estão sendo monitorados por agencias de inteligência dos EUA. Eu presumo que agências de outros países possuem práticas similares, e que os centros de mineração e negociação tenham sido infiltrados pelos governos. Ainda é incerto se isso traz um aumento no fator de risco para o Bitcoin em comparação a outras moedas.

Dadas as novidades do Bitcoin e outras criptomoedas, Aquino manteria um olhar atento em sua oferta e demanda. Novas pesquisa e experiências afetam essa nova área da economia e fazem da minha análise, assim como da análise de outros, preliminar e sujeita a correção. Assim como todos que analisaram o Bitcoin, Aquino teria incorporado à sua pesquisa o alegado limite de produção de bitcoins como fator que contribui para seu preço. Ele também consideraria a abertura do mercado virtual de moedas, onde, apesar da dominância do Bitcoin, outros competidores continuam a emergir.

O Bitcoin possui amigos e inimigos poderosos. Alguns dias atrás, eu estava em um jantar da Philadelphia Society onde o orador, o investidor Tim Draper, lançou elogios ao Bitcoin, argumentando que o Bitcoin é a porta de entrada para um mundo onde os governos competiriam pelos nossos talentos e pelas nossas cidadanias. O The Economist, por outro lado, publicou uma impactante história lançando grandes dúvidas sobre essa criptomoeda.

Tendo considerado todos esses fatores e todas as perguntas pelas quais o Bitcoin continua a levantar – e dando particular consideração à adoção voluntária do Bitcoin por um segmento de uma maioria bem educada de participantes do mercado – Tomas de Aquino provavelmente aprovaria o uso do Bitcoin. Ele acrescentaria um alerta, porém: Caveat emptor – “comprador, tenha cuidado.”

Alejandro Chafuen no Twitter e no seu website.

Filipe Dalboni

Mestrando em economia que sonha em contribuir na construção de uma economia realista voltada ao Bem Comum.

6 comments

  1. Luana Ventura Dutra

    Muito esclarecedor o artigo! Agradeço por tornar acessível um texto equilibrado e claro sobre o assunto, até mesmo para leigos.

    1. Filipe Dalboni

      Muito obrigado, Luana! É um prazer servir.

  2. Vinicius Mendes

    Muito bom o artigo! Sou invedtidor e ainda me mantenho fora desse ativo financeiro por não conseguir encontrar valor nele. Daí, tenho medo de que seja um castelo de areia.
    Fico feliz que, aos olhos de Tomás de Aquino, esse investimento talvez fosse permitido.
    Obrigado por trazer ao nosso conhecimento precioso texto.

    1. Filipe Dalboni

      De nada! Para mim também foi uma descoberta interessante. Ele consegue dar a liberdade ao comprador, com a verdadeira cautela. “Comprador, cuidado.”

  3. Ótimo site!
    Desejo-lhes sucesso.

    1. Filipe Dalboni

      Muito obrigado!

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